Poderíamos ficar pela legislação e outras orientações do ME e dizer, tem de ser, somos obrigados a fazê-lo!
Felizmente, todos somos dotados de racionalidade e capacidade reflexiva, e não nos ficamos pelo tem de ser. É isso que nos faz estar aqui hoje, todos, 150 educadores.
Outra resposta bem mais interessante ao porquê avaliar, reside naquilo que pode ser entendido como uma característica humana: avaliar é inerente à nossa racionalidade.
Avaliar o que fazemos é atribuir significado a uma experiência vivida. É desses significados que se faz a nossa história enquanto pessoas.
Avaliar é também fazer um balanço da importância, do impacto em mim e nos outros da experiência vivida, o que nos permite perspetivar o que queremos fazer e viver no futuro.
Dito assim, faz todo o sentido avaliar em Educação de Infância. Avaliamos para construir as nossas histórias. As histórias de pessoas que vivem determinadas experiências educativas. Avaliamos para perceber a importância que tiveram para nós as experiências e para perspetivar o que queremos fazer a seguir.
Esta é também a conceção de avaliação que encontramos nas OCEPE.
Confesso que a primeira ideia que me ocorreu, a propósito da avaliação, quando as creches e os jardins de infância fecharam foi que em Educação de Infância não iria fazer sentido a avaliação do 3ºP.
As crianças estão em casa, não vamos ter contacto com todas, os pais não são educadores de infância e não têm que fazer registos de coisa nenhuma, portanto, não temos dados. Sem dados sobre a evolução das crianças não se faz avaliação!
No momento seguinte apercebi-me que tinha caído na armadilha da minha própria história enquanto aluna. Aprendi na escola, como todos, ou quase todos, que a avaliação é a atribuição de um valor pelo outro, o professor, às aprendizagens do aluno, por referência a uma norma, um padrão, um conjunto de objetivos pré-definidos externamente.
Nessa avaliação nunca coube a minha vida, as minhas circunstâncias ou o processo como fiz as aprendizagens. Sabia ou não sabia, mostrava que sabia, ou não mostrava, nos testes, nos trabalhos, na participação nas aulas… Contas feitas ao que sabia e não sabia, ao que mostrava ou não, obtinha-se a minha nota, o meu valor naquele ano ou naquela disciplina.
Mas o que é que isso tem a ver com aquele meu primeiro pensamento sobre a avaliação no 3ºP?
É que ali, naquele meu primeiro pensamento, está a ideia de que alguém vai atribuir um valor ao desempenho da criança, dizendo que ela faz isto e aquilo. Para atribuir esse valor é necessário observá-la a realizar determinadas atividades, aquelas que eu previ, no projeto curricular de grupo, que acontecessem. Ou então é necessário que alguém forneça evidências de que ela faz coisas que, não sendo aquelas que eu previ, a elas se assemelham, porque desenvolvem as mesmas competências.
Com base nisto, o meu primeiro pensamento esvaiu-se e a minha conceção de avaliação de educadora ganhou à minha conceção de aluna.
Faz sentido avaliar no 3ºP, sim!
Então o que podemos avaliar?
Podemos, em conjunto com a criança, com a família e toda a equipa educativa, interpretar, atribuir significados à experiência vivida durante o ano letivo. E durante o ano letivo significa incluir o período de E@D e também aquele em que a criança enfrentará uma nova forma de viver na creche e no JI, hipoteticamente, com máscaras.
Nada nos impede de descrever, construir narrativas que mostrem a outros como fomos sentindo a criança “crescer” ao longo do ano letivo. Que mostrem como as atividades, as circunstâncias, os processos, acrescentaram a criança em aprendizagens.
A avaliação é contínua em EI, assim como em todo o ensino básico e secundário e deve dar origem a um registo descritivo da evolução, das conquistas, no final do ano letivo.
Como sabemos sobre esse crescimento?
Sabemos porque vivemos com a criança até março e escutámos com os olhos, os ouvidos e o nosso corpo. Sabemos porque sempre falámos, e agora ainda falamos mais, com os pais, com os seus cuidadores. Sabemos porque falamos com ela ao telefone ou em videoconferência, e também sabemos, ou tentamos por todos os meus saberes, quando não conseguimos falar.
Sabemos porque nos enviaram uma fotografia, sabemos porque percebemos a sua alegria ou tristeza do outro lado da tela ou do auscultador, sabemos porque nos quer mostrar algo e sabemos porque não nos quer mostrar nada!
Sabemos porque a assistente nos disse, quis partilhar...
Não podemos descurar a informação dessas outras pessoas, que não somos nós, sobre aprendizagens, mas mais do que isso, sobre as histórias e circunstâncias de aprendizagem de cada criança. Mas o olhar dessas pessoas, só nos chegará se abrirmos todos os canais de comunicação possíveis.
Nem todos estão ligados em plataformas online, nem todos atendem o telefone… de alguns só nos chegam informações pelo correio ou pelas pessoas que entregam os almoços e os materiais. Mas vamos sabendo, vamos contextualizando as aprendizagens que estão a acontecer, ou simplesmente descrevendo o que sabemos desses contextos de aprendizagem e procurar ajuda, se necessário.
Quando voltarmos à creche e ao JI saberemos, mesmo se tivermos máscara, porque continuaremos a olhar a criança, a ouvi-la, a senti-la, a apreciar a forma como constrói a sua própria história até ao final do ano letivo, mesmo que as condições sejam mais adversas à aprendizagem.
As crianças estão a construir e contruirão histórias que as acompanharão para a vida e nós estamos aqui para as ajudar a escrevê-las, para as registar.
Não, não precisamos de a medir e de somar o que já sabe fazer, para mostrar aos outros quanto “cresceu”! E não mostraremos nada a ninguém, nem a nós próprios, se quantificarmos a sua participação e a participação das suas famílias no E@D. A quantificação nada nos diz sobre o impacto, os efeitos que algo tem nós.
Vamos precisar de muita sensibilidade e muita empatia para compreender o impacto das experiências vividas, durante o período Covid-19, nas histórias de vida das nossas crianças.
Que instrumentos vamos usar?
Sabemos que, tal como é dito nas OCEPE, a avaliação não é independente da pedagogia, da forma como fazemos acontecer a aprendizagem. Por isso, na observação da ação da criança usaremos os mesmos instrumentos que já usávamos, no registo também.
E quando não há oportunidade de observação?
Vamos precisar de encontrar outros modos de ouvir as famílias e as crianças e de aprender a valorizar o que nos têm a dizer, integrar essas perspetivas na avaliação que fazemos. A avaliação resulta de múltiplos modos de observar, mas também de múltiplos olhares sobre o que a criança aprende. A perspetiva da família não tem que ser a nossa, mas é igualmente útil, porque a criança vive numa família que a vê de determinado modo e tem em relação a ela determinadas expectativas.
Não queiramos que a família faça na avaliação da criança o que faria um educador, nem pensemos que a perspetiva da criança se assemelha a qualquer forma de autoavaliação usada na escola. Teremos que os ouvir, deixando que usem a linguagem da forma que lhes é mais natural usar. Cabe-nos a nós registar.
E quando, mesmo assim, não há dados?
Precisamos pensar que a avaliação em EI não é apenas avaliação das aprendizagens e que as narrativas que conseguirmos construir podem ajudar a encontrar alternativas ao isolamento e ao acesso à educação de algumas crianças e, assim, mitigar desigualdades.
Como ouvi hoje dizer ao Secretário de Estado João Costa, o que estamos a fazer não é o que é bom fazer, estamos a inventar, a colocar remendos num tecido muito esburacado.
Pessoalmente, acho que ao colocar estes remendos poderemos também fazer aprendizagens importantes enquanto profissionais. Não desperdicemos a oportunidade.
Ofélia Libório
Pelo Envolve-te
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